“Ciranda de amor, às vezes de dor”. Assim começa o Hino da Associação dos Voluntários a Serviço da Oncologia em Sergipe (Avosos). O momento agora é de dor entre assistidos, acompanhantes, voluntários, funcionários e parceiros da instituição, uma vez que acaba de falecer Maria Ruth Wynne Cardoso, carinhosamente conhecida como Tia Ruth (89). Na ciranda da vida as palavras de Tia Ruth ao descobrir, em fevereiro deste ano, que estava com câncer no estômago: “Se minhas crianças passaram por isso e suportaram eu também vou aprender a suportar”. O velório segue pela madrugada até as 5h da manhã desta sexta(14), na sede da Avosos (rua Leonel Curvelo, 55, bairro Suíssa). Natural de Aracaju(SE), 3 filhos, 7 netos e 1 bisneta. O corpo de Tia Ruth será cremado em Salvador(BA).
Inspiração
Impossível descrever em palavras um ser humano como Tia Ruth. Amor, carinho, dedicação ao próximo, bondade, gentileza, inspiração, mensageira da paz… São muitos os adjetivos que pincelam a imagem desta grande mulher. Fortaleza na luta contra o câncer infantojuvenil, Tia Ruth sempre estampou nos corações de quem a segue a frase: “O amor cura”. O lema virou slogan da Avosos e a legião de voluntários, atualmente composta por 140 pessoas, sempre se inspiram em suas orientações morais e hoje estão munidos de uma base forte para que, como Tia Ruth costuma dizer, “a obra Superior seja sempre mantida e que o mestre Jesus continue guiando através das mãos de cada um”.
Linha do tempo
A vida desta grande mulher se cruza, em diversos pontos, com a história da Avosos. Era uma quarta-feira do ano de 1982 e a Fundação Beneficência Hospital de Cirurgia foi o cenário para o início dessa linda história. Tia Ruth, dona de casa, morava perto ao hospital e resolveu dedicar parte de seu tempo na ajuda ao próximo. Tia Ruth passou a realizar constantes visitas aos pacientes internados no hospital e a Ala de Oncologia foi a que mais mexeu com seus sentimentos.
Tia Ruth começou então a atuar neste setor, levando agasalhos, lanches e palavras de conforto e carinho. Desde então, alguns amigos forneceram, e fornecem, ajuda preciosa para que esta missão possa ser levada adiante. E quanto mais se trabalha em prol do próximo, mais necessidades são observadas. Os olhos atentos de Maria Ruth Wynne Cardoso viram mãezinhas, crianças e adolescentes do interior do Estado, e também de Estados vizinhos, dormindo em condições precárias, esperando um leito, passando fome, frio, nas calçadas do hospital esperando um transporte… Tia Ruth abriu as portas de sua casa para estas pessoas, que funcionou informalmente como a primeira casa de apoio do que se chamaria mais tarde de Avosos.
Mais pessoas se juntaram a causa ao longo do tempo e aos poucos um grupo foi se formando e conquistando o reconhecimento da comunidade, que ajudava doando roupas e mantimentos. Eram 17 pessoas trabalhando em prol de um único objetivo: ajudar e acolher pacientes oncológicos carentes.
Com tamanha proporção, o grupo sentiu a necessidade de oficializar esse trabalho. Foi em 24 de julho de 1987, após uma reunião na casa de Tia Ruth, que a Associação de Voluntários a Serviço da Oncologia em Sergipe foi fundada. Neste dia estavam presentes Tia Ruth, Anna Lobão, Jeane Vieira, Wilson Melo, Judite Lobão, Inah Leão, Marlene Andrade, Marcelo Andrade, Silvia Maciel, Dilma de Souza e Nivalina Brás.
A partir de então a Avosos passou a acolher pacientes com câncer e seus acompanhantes na casa de Tia Ruth, que passou a funcionar como sede provisória da Associação. O abrigo que antes era informal passou a ser sede temporária da entidade.
Desafios
Naquela época muitas crianças e adolescentes abandonavam o tratamento devido às dificuldades financeiras e sociais para locomoção, alimentação, hospedagem e até mesmo pela falta de estrutura do hospital. Hoje, com o auxílio da Avosos, a taxa de abandono foi reduzida a zero.
Em 1988, a Avosos conquistou sua primeira sede oficial em virtude da generosidade de uma voluntária. Em 1992 a instituição recebeu a generosa doação de uma casa, feita por um casal amigo por intermédio da voluntária Telma Andrade. Mais amplo e confortável, o local proporcionava mais comodidade aos pacientes e seus acompanhantes. A entidade começava a se desenvolver e oferecer melhores condições aos seus assistidos. A partir daí a Avosos passou a atender apenas crianças e adolescentes com câncer, dando origem à Casa de Apoio à Criança com Câncer Tia Ruth/Avosos.
Uma prova do reconhecimento do trabalho da instituição veio no ano de 1996 com o convite da Secretaria Estadual de Saúde (SES) e da direção do Hospital Governador João Alves Filho (HGJAF), atual Hospital de Urgência de Sergipe (HUSE), para implantar e administrar um serviço médico ambulatorial na área de oncologia do hospital. Além disso, a entidade assumiu o internamento sem receber nada da SES pelo atendimento hospitalar.
No ano seguinte a Avosos inaugurou a Unidade Dr. Jorge Marsillac, hoje Centro de Oncologia Dr. José Geraldo Dantas Bezerra, que realizava tratamento do câncer em nível ambulatorial por meio de convênios. A renda ajudava a suprir as necessidades do setor oncológico do HGJAF e os trabalhos assistenciais da Casa de Apoio.
A Avosos administrou o setor de oncologia do HGJAF por quatro anos. Durante esse período o Centro de Oncologia da Unidade de Saúde consolidou-se como referência regional no tratamento oncológico. No ano de 2000 a coordenação do HGJAF foi passada para Secretaria Estadual de Saúde. Mesmo não estando mais à frente da administração do hospital, a Avosos continuou presente, levando lanches, palavras amigas aos pacientes oncológicos e dando o suporte necessário na falta de medicamentos e de exames para as crianças e adolescentes tratados no setor.
Mudanças
Com mais de 10 anos de caminhada, bem como novos desafios a superar, a instituição passou por algumas mudanças físicas e estruturais. Uma nova sede surge em 2000, ainda mais ampla e com um número maior de voluntários e profissionais, dando origem assim à equipe multidisciplinar da entidade para melhor atender seus assistidos.
A captação de recursos também foi intensificada com a implantação do serviço de Telemarketing na sua sede para divulgar e arrecadar mais fundos para a Avosos. No ano seguinte os atendimentos foram ampliados, passando a atender pacientes com doenças hematológicas crônicas.
Em 2004, fundadores, voluntários e assistidos puderam presenciar a concretização de um sonho. A associação inaugurava sua sede própria: o Complexo Avosos, composto pela Casa Tia Ruth de Apoio à Criança com Câncer/Avosos e o Centro de Oncologia Dr. José Geraldo Dantas Bezerra, antes denominado Dr. Jorge de Marsillac.
Os recursos para a construção da Casa Tia Ruth de Apoio à Criança e ao Adolescente com Câncer foram doados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), com financiamento não reembolsável da área social. Também contribuíram para a construção da sede própria o Instituto Ronald Mcdonald (campanha McDia Feliz). Já o Centro de Oncologia foi construído com recursos próprios. A mobília da Casa de Apoio teve a contribuição da Construtora Celi e do Banco do Estado de Sergipe (Banese).
Em 2010 a Avosos inaugurou o Serviço de Oncologia e Hematologia Pediátrica (Sohep) para somar forças no combate do câncer infantojuvenil. Atualmente, a entidade presta apoio aos casos suspeitos da doença encaminhados pelo Centro de Oncologia do HUSE e as Unidades Básicas de Saúde, em parceria com a Secretaria Municipal de Saúde de Aracaju.
Conquistas, perdas, muitas lutas e, acima de tudo, vitórias. Assim é a história da Avosos e desta grande mulher, eterna presidente de Honra da Avosos: Tia Ruth.